ela me ensinou a ser forte

texto escrito em 11 de maio de 2017, reproduzido na íntegra

Gabriela Reis
5 min readSep 3, 2024

com prefácio de 2024 da autora

esse texto tem alguns (muitos) erros, mas o fato de não terem sido arrumados é proposital, porque… ao lê-lo da forma como foi escrito, sou enviada para o dia das mães de 2017, em que passei com a minha avó. eu não sabia, mas dali a três anos eu iria perdê-la pra sempre, pelo menos em matéria.

escrevi essas linhas entre um trabalho e outro, uma ida ou outra pra faculdade, algo assim, e de fiquei ansiosa pra mandar imprimir e ler pra ela, olhando nos olhos dela, segurando nas mãos dela…

eu lembro perfeitamente de estar naquela cozinha cheia de azulejo, de chão de concreto batido, com a pia de mármore marrom e o armário de madeira clara, que tinha formas esquisitas e que me davam um pouco de medo quando criança…

consigo visualizar o corredor cheio de plantas e a casa cheirando a comida fresca, feita na hora. eu não lembro qual era o cardápio, mas poderia ser estrogonofe… ela sabia que eu gostava bastante. como de praxe tinha um som baixo tocando, geralmente na Nativa FM, que era a rádio favorita dela…

ao reler este texto, me senti novamente sentando na mesa da cozinha, de frente pra ela, segurando suas mãos pequenas e de dedos compridos — das quais eu puxei dela — olhando em seus olhos ora cor de mel, ora esverdeados, e falando em voz alta essas linhas tortas que a gabriela de 21 anos escreveu com todo o coração e sinceridade.

a sensação foi quase como se eu tivesse vivendo isso de novo, diretamente com ela.

para quem me conhece e acompanha meu medium desde algum tempo, sabe que minha vó sempre foi um tema recorrente entre os textos presentes aqui.

acho que nenhum autor gosta de se expor desta maneira com seus escritos antigos, e eu, particularmente, em outra ocasião não faria essa exposição desta forma, contudo… acredito que dona Sueli mereça essa sensibilidade de minha parte, justamente pelo que descrevi acima…

entendo que este não é um texto para todo mundo, principalmente aos mais críticos, e aqueles que já conhecem meu padrão, mas, levem em conta o cabeçalho do título, e o que leram neste prefácio até aqui.

boa leitura.

p.s.: vó, eu sinto muito sua falta, muito mesmo. obrigada por tudo que você me ensinou, por tudo que você foi, e por tudo que você segue sendo, e seguirá sendo dentro do meu peito, por onde quer que eu vá. eu sinto você comigo todos os dias um pouquinho, mesmo que a saudade seja constante.

amo você, chaveirinho!

Ela não é minha mãe, tecnicamente, e não me deu a vida também, mas ela me ensinou muitas coisas que talvez nem minha mãe pudesse ensinar. Desculpa, dona Kelly, mas o texto agora é dela.

Desde pequena, ela cuidou de mim. Antes de eu sair da barriga da minha mãe, antes de eu pensar em ser alguém na vida, minha vó já tava lá me amando. Quando eu nasci, ela fez uma promessa de nunca falar palavrão enquanto eu fosse criança, e ela realmente cumpria — mas de vez em quando soltava uns “PUTA QUE PARIU” com a boca bem cheia. E eu achava o máximo.

Quando eu fiquei mais velha e comecei a falar palavrão, ela soltava um sorriso pequeno e dizia “não foi comigo que ela aprendeu”, mas ela também se sentiu mais tranquila em poder falar perto de mim.

Às vezes ela fala “Gabi, que boca suja…”, mas eu dou risada. Ela sabe que palavrão é só mais um tabu, e ela já quebrou vários.

Foi ela que me ensinou a ouvir rádio, e a suportar o sertanejo. Ela me ensinou a ouvir Roberto Carlos, e pasmem, eu amava. Ela que me apresentou Nélson Gonçalves e tentou me ensinar a dançar, mas eu sempre fui muito dura, e ela sempre molinha demais.

Ela foi, ou melhor, ela ainda é, a minha melhor amiga de todo o mundo, e eu me sinto muito mal por não ter tempo de ficar com ela. Faz dias que não ligo pra ela, mas ela sempre me manda mensagem no WhatsApp, perguntando se eu estou bem, e se está tudo bem comigo, mesmo ela não sabendo mexer direito e sem colocar o ponto de interrogação, eu acho lindo o jeitinho que ela escreve.

Quando eu digo que ela me ensinou forte, é porque ela quem me mostrou o que é o tal do “girl power” que muita gente anda falando, e ninguém sabe o que é de verdade. Ela que me ensinou a dar a cara a tapa, que me ensinou que as coisas não se fazem sozinhas, e que você tem que tentar primeiro antes de falar que não sabe fazer — como nas vezes em que ela queimou as assadeiras da mãe dela e apanhou porque tinha feito bolo escondido.

Ela me ensinou a ser forte porque toda vez que ela me contava da história que ela quebrou tudo que ganhou de casamento quando o ex-marido dela queria levar tudo pra casa da outra, meus olhos brilham e eu só penso “essa é a minha vó”.

Foi ela que me disse primeiro que eu tinha que enfrentar o meu pai, e foi ela que me fez fazer isso a primeira vez. Ela me ensinou a lavar louça, a fazer brigadeiro — que foi a primeira coisa que aprendi na cozinha — e também a fazer arroz…

Ela ficava ali na pia e me falava como que cortava alho, cebola, como que temperava o arroz, o feijão… Ela me ensinou a fazer bolo de cenoura também. E bolo sem cenoura. Ela dava dicas e experimentava pra falar se tava bom ou não. Era a minha companheira na parte da tarde, quando eu não tinha mais nada pra fazer além de trabalhar.

Ela ficou muito triste quando eu comecei a trabalhar. Ela ia lá em casa ajudar a limpar, e ficava sozinha… Eu ficava morrendo de saudade dela no trabalho também. De começo ela ainda me via na parte da manhã e eu saia sempre umas duas horas da tarde de casa pra ir pra faculdade.

Depois, eu comecei a trabalhar de manhã e parei de vê-la, mas sempre que eu ficava sozinha, eu dava um jeito e ligava pra ela lá em casa, e a gente conversava um tiquinho e eu voltava pro trabalho. Mas ela sentia tanto a minha falta quanto eu da dela.

Minha vó é meu chaveirinho, meu modelo de mulher, a pessoa que me ensinou que pra ser feminista não precisa se declarar, você simplesmente é. Ela me ensinou a ter força de vontade pra conseguir as coisas, e me ensinou que a vida não é sempre fácil, mas que sempre pode ser linda.

Ela pode ter o rosto meio sofrido, cheio de marcas de expressão e muita bagagem da vida, mas ela é linda, cheirosa e gostosa. Ela pode falar umas coisas meio nada a ver, ser baixinha e ter uma corcundinha de vó, mas eu amo cada detalhezinho nela, que acho que sem isso ela não seria ela mesma e perderia a graça.

Vó, feliz dia das mães. Obrigada por cuidar tão bem de mim até hoje. Eu te amo muito, e pode ter certeza que eu vou ler esse texto pra você no domingo, com muito carinho.

E se eu te conheço, cê vai chorar litros…

Sua canceriana boba.

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Gabriela Reis
Gabriela Reis

Written by Gabriela Reis

meu coração é como ferida aberta em constante sangramento, então escrevo pra estancar. faço das minhas migalhas arte, transformando a dor em palavras.

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